terça-feira, agosto 03, 2004

e depois teve burburinho...

Fui ontem ver Olga.
Há 3 anos não pisava num cinema.
Li o livro ano passado, em Natal, confesso que, fora A Brincadeira (Milan Kundera), foi o livro mais tenso que já li. Em determinados momentos eu fechava o livro e deixava a imaginação fluir. Fechava os olhos e deixava a tensão do livro passar um pouco pra mim. Me emocionei de verdade e em alguns momentos confesso que por pouco não vou às lagrimas. Ta, ta é meio gay mermo essa porra...mas é a pura verdade, se você mergulha na biografia de Olga é difícil não se emocionar.

Bem, fui cheio de expectativa pra pré-estreia ontem. Diretor, produtora, atores protagonistas no cinema recebendo cumprimentos, rede Grôbo, um monte de carinha cenosa... lá fui eu pro cinema.

O problema de quem lê o livro é a expectativa gerada sobre as imagens que se formam enquanto lemos e nos deixamos levar pela imaginação. O problema de quem lê livro é que ele se depara, cara a cara, com detalhes, minúcias. O problema, realmente, é que nunca (ou quase nunca) o diretor tem a mesma leitura que você teve. E é daí que surgem as divergências entre expectativa e exposição.

Jaime Monjardim conduziu o filme a seu modo, sob sua leitura e do que ele imaginou ser uma boa história pra comercializar no cinema brasileiro. Só isso explica os vários clichês que o filme contém. A primeira impressão que foi de encontro à minha expectativa foi a interpretação de Olga. Camila Morgado dá a Olga um tom metálico, quase um robô, com um português bem explicado e lento, quase teatral. Às vezes chega a ser ridículo quando declama pra ninguém, entre uma chicotada e um verso, um poeminha que lera com Luis Carlos Prestes no dia que dormiram juntos pela primeira vez.

Cacco Sbrubles (nunca sei o nome desse doidinho) dá um tom meio bocó ao Gen Luis Carlos Prestes, comandante da Coluna Prestes, conceituado entre comunistas do mundo todo, respeitado por amigos e inimigos... ficou esquisito ver, em toda cena, uma cara de bobo apaixonado.

É notório que Monjardim não conseguiu passar pra tela toda a tensão da história... o momento político mundial e o barril de pólvora que estava o Brasil naqueles dias. O motivo deles viajarem com identidades falsas não fica bem explicado pra alguém que só o filme e não leu o livro. É difícil inserir na bolha prestes (sem trocadilho) a estourar que se encontravam os militantes da ANL e a polícia do Rio de Janeiro... quem não leu sobre a intentona comunista não consegue perceber o estrago que foi feito nos quartéis de Natal , Recife, São Paulo, Rio de Janeiro... o filme dá uma pincelada tão rápida e rasteira que o que poderia ter sido a maior revolução (os chefes comunistas internacionais diziam que o Brasil seria o centro do comunismo mundial tal era o número de agentes infiltrados em partidos políticos, espiões em todas as áreas sensíveis do governo, militares abraçados à causa e o apoio populacional na época) comunista da historia não passou de uma tentativa de greve, paralisação, um piquete furado, um traque de massa, uma revoluçãozinha mal planejada, por homens despreparados...muito longe do que realmente ocorreu....e nesse devaneio de novela Olga fica meio sem ter onde ser encaixada na história.

Ai vc pode dizer: “porra, Matheus, ele não deu ênfase à revolução porque não tinha nada a ver com Olga que é o assunto principal do filme”. Tudo bem, concordo, então porque os momentos passados por Olga dentro da prisão, ainda aqui no Brasil, onde ela conheceu vários ilustres como Graciliano Ramos (Memórias do Cárcere vem justamente das suas lembrança de quando esteve preso no mesmo presídio que Olga) não mereceram do diretor nem 15 minutos?
Porque os momentos de sofrimento nos campos de concentração foram transformados em flashes de recordações de Olga, com olhar perdido no mundo, como se o cansaço e a exaustão que o trabalhão diário e forçado a submetia permitisse tal luxo?
Ela se tornou líder entre companheiros de campo de concentração. Dava aulas de política e geografia pras presas, organizava levantes, exigiam direitos (quase todos negados)... isso não é tratado com o devido respeito no filme.
O filme é sustentado no amor que Olga sentia por Prestes (até exagerado por vezes) e por Anita, a filha do casal que ta viva até hoje.

Eu sai do cinema com medo de que quem não tivesse lido o livro e nunca tivesse ouvido falar em Olga Benário nem em Luis Carlos Prestes taxasse o Prestes de bobão romântico revolucionário frustrado e Olga de robozinho chorão separada da filha. É delicadíssimo filmar biografias (haja visto a pleura que se deu com o filme sobre Chateubriand) e é imperativo se respeitar a memória de vultos tão mais fortes do que os que eu vi retratados pifiamente ontem na tela. Personagens da história mundial que não cabem em 2h de novela carregada de um sentimentalismo diferente do que o livro transmite.

Só pra se ter uma idéia do que eu falo.O diretor consegue encaixar duas cenas de sexo entre Olga e Prestes com mais de 5 minutos cada uma. PORRA!!! Enchimento de lingüiça da carayo... no livro não tem nem 5 segundos de sexo. Porque o sexo entre eles dois é o que menos importa na história.

Enfim...como filme o trabalho de monjardim merece aplauso porque foi uma obra toda filmada no Brasil, com recursos nossos. As cenas na neve são belíssimas, a tirlha sonora é envolvente, o figurino é fidedigno à realidade da época...não deixem de ver, afinal essa é só uma opinião de um caba ranzinza que foi esperando pérolas e recebeu azeitonas.


Hasta.

obs.: mas depois fui ao burburinho, tomei uma cerveja e tudo voltou ao normal.
obs2.: dei-me o direito de não corrigir erros de grafia, concordância, essas coisinhas belas do nosso peculiar idioma. tô com sono. foda-se.

ouvindo: A Palavra Certa (herbert viana)
:)

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